Artigo CLNN – Novos Negócios na Indústria Farmacêutica: Uma Viagem pelo Sudeste Asiático

Confira as tendências e potencial da região Ásia-Pacífico para os profissionais de novos negócios da indústria farmacêutica nesta entrevista com Fábio Moreira.

Incluindo países importantes que caminham no sentido de maior integração regional e global no setor da saúde como Singapura, Tailândia, Vietnã, Malásia, Filipinas e Indonésia, o mercado de medicamentos no Sudeste Asiático é provavelmente pouco conhecido no Brasil, porém representa significativo potencial de novos negócios para a indústria farmacêutica.
Para conhecer um pouco mais desta região, a Resenha Novos Negócios conversou com Fábio Moreira, profissional de Novos Negócios que iniciou sua carreira no Brasil e atuou desde 2015 em Singapura, onde foi responsável por todos os países na região Ásia Pacifico. A partir do seu atual escritório em Miami Fábio fala um pouco mais sobre sua experiência no Sudeste Asiático, deixando claro que se tratam de opiniões próprias e não refletem as visualizações ou políticas do Merck Group / Merck KGaA ou qualquer entidade do Grupo Merck.
Resenha Novos Negócios: Fábio, como você descreve as tendências do mercado farmacêutico dos países do Sudeste Asiático neste momento?
Fabio Moreira: Os mercados do sudeste asiático experimentam uma forte mudança em seu perfil. Em primeiro lugar, a expansão da cobertura de saúde em países como Vietnã, Indonésia, Tailândia e Filipinas, com foco nas populações de baixa renda e rural, representam uma grande oportunidade que deve se consolidar até 2020.
Outro ponto de destaque seriam as melhores condições de vida e maior acesso a tratamentos de saúde. Existe um aumento no envelhecimento da população, resultando em significativo incremento na demanda por tratamento de doenças crônicas, tradicionalmente associadas à maior expectativa de vida, como diabetes, doenças cardiológicas e câncer. No passado recente a maior procura estava focada no tratamento de doenças infecciosas
RNN: Toda a região se comporta de modo homogêneo em relação aos cuidados com a saúde?
FM: Não exatamente. Tal qual acontece em outras áreas em desenvolvimento, o Sudeste Asiático apresenta grandes disparidades entre seus países. Só para citar um exemplo, temos na mesma região Singapura, apontado como um dos mais eficientes sistemas de saúde do mundo pela agência Bloomberg e por outro lado temos países como Myanmar e Camboja com avaliações qualitativas bem inferiores, alinhadas aos menores níveis mundiais.
RNN: Neste caso, é possível agrupar países em relação aos seus mercados potenciais?
FM: Sim. Primeiramente temos os países altamente desenvolvidos onde destacam-se duas pequenas nações, Singapura e Brunei, com população aproximada de 6 milhões de habitantes. Nesses países o sistema de saúde atua com altíssimos padrões e o mercado é bastante regulado. O financiamento ocorre basicamente através de reembolso governamental sendo as necessidades dos pacientes satisfatoriamente atendidas
Seguindo este grupo, temos os países que conjuntamente formam o maior potencial de mercado para a região, composto por Malásia, Tailândia, Vietnã, Filipinas e Indonésia, o que juntos totalizam algo como 550 milhões de habitantes. Este número é muito relevante. A título de comparação em toda América Latina temos aproximadamente 640 milhões de pessoas. Estes mercados destacam-se pelo franco crescimento, forte desenvolvimento local juntamente com o grande amadurecimento destas economias. Aliado a isso, os constantes esforços para expansão de cobertura universal de saúde pelos governos locais, confirmam as enormes oportunidades deste mercado. No último grupo temos países como Camboja, Laos e Myanmar que enfrentam os maiores desafios para desenvolvimento da atenção à saúde, mas ainda assim contam com potencial de crescimento futuro.
RNN: Neste caso é possível visualizarmos estes mercados como potenciais parceiros para realização de alianças e parcerias com indústrias farmacêuticas estrangeiras?
FM: Apesar do destacado potencial decorrente da grande população e do incremento do acesso aos serviços de saúde planejado pelos governos locais, o mercado do Sudeste Asiático é bastante desafiador para empresas estrangeiras. Há uma enorme demanda por medicamentos genéricos e medical devices de baixo custo, porém estes artigos são supridos, em grande parte por indústrias locais, sendo amplamente estimulados e priorizados frente aos produtos importados. Além desta situação, o sistema de reembolso, embora esteja como parte da agenda da maioria dos governos nos mercados em desenvolvimento, ainda é bastante restrito, diminuindo ou atrasando as chances de acesso aos medicamentos inovadores. No entanto não são exigidos estudos clínicos com população local para registro destes medicamentos, desde que estudos globais em países regulados estejam satisfatoriamente concluídos, o que poderia colocar estes paises nas primeiras ondas de lançamento, caso seja o interessa da empresa a presença nesta região. Em todo caso, existem imediatas oportunidades, pois parte da população procura serviços privados de saúde que nem sempre são satisfatoriamente atendidos por empresas locais.
RNN: Você está dizendo que o sistema privado de saúde seria uma opção para um maior incremento do mercado com reflexos para a indústria farmacêutica?
FM: Veja, como toda área em desenvolvimento o Sudeste Asiático apresenta contrastes incríveis. A Tailândia está se destacando como um dos principais destinos do chamado turismo médico no mundo. Oferecendo serviços médicos de boa qualidade e preços muito atrativos tanto para pacientes de outros países asiáticos, mas também de pacientes oriundos da Europa em busca de tratamentos menos custosos. Para se ter uma ideia o país acumula uma receita anual de aproximadamente 3 bilhões de dólares ao ano neste quesito. Então, respondendo de forma clara há um potencial que deve crescer significativamente nos próximos anos, alinhado com um esperado aumento do poder aquisitivo local.
RNN: Estes contrastes podem significar riqueza e ao mesmo tempo falta de acesso à saúde. Como estes países lidam com esta situação?
FM: É interessante notar que grande parte dos médicos e serviços de saúde estão concentrados nas maiores e mais ricas cidades. Assim, esta região experimenta uma mudança de paradigma com a tentativa de utilização de serviços remotos. Veja a situação das Filipinas, onde 70% dos médicos estão concentrados nas áreas urbanas e grande parte da população ainda vive em áreas rurais,. Iisso faz com que os governos locais estejam avaliando a possibilidade de oferecimento de serviços de saúde através de clínicas virtuais. As consultas em muitos casos poderiam ser realizadas através de modo remoto com o auxílio da tecnologia da comunicação. Isto está totalmente alinhado com as discussões globais acerca do uso dos recursos digitais na expansão do acesso à saúde .
Outro ponto de destaque seriam as crescentes iniciativas de integração entre os países. Como exemplo temos o interesse em harmonizar as aprovações regulatórias e a cooperação em estudos clínicos. Isto promoveria um maior alinhamento entre as estratégias governamentais e empresariais para investimentos locais.
RNN: A sua área de atuação incorporou além dos países do Sudeste Asiático outros grandes países como Índia, Taiwan, Hong Kong e Coréia do Sul. É possível traçar um comparativo entre estes mercados?
FM: Sem dúvida os mercados são muito contrastantes, razão pela qual seria muito difícil colocarmos todos em um mesmo patamar, pois tive em minha área países com economias modestas e também os tigres asiáticos que receberam este nome devido ao alto desenvolvimento apresentado nos últimos anos, além de grandes diferenças relacionadas às regulações e incentivos governamentais
RNN: Sendo assim, vamos explorar estes mercados em reportagens futuras. Porém, antes de terminar, você poderia dizer quais seriam suas sugestões para os profissionais de novos negócios que queiram exploram novos mercados como o sudeste asiático?
FM: Acredito que o crescimento do mercado do sudeste asiático, em razão das razões anteriormente expostas é fator positivo relevante quando se avalia a possibilidade de entrada comercial nestes países. Deve se levar em consideração, no entanto as possíveis restrições locais.
Caso o objetivo seja puramente comercial visando a obtenção de receitas através de exportação a avaliação deve ser distinta, pois, embora exista uma maior abertura para recebimento de novas tecnologias e produtos, o real interesse governamental é que se invista e produza localmente, valorizando assim empresas locais ou então empresas internacionais que tenham estratégias desenhadas para aplicação local.
Por outro lado, se o profissional de novos negócios estiver procurando por parcerias da Ásia para Brasil através do licenciamento de novas tecnologias, deve-se ressaltar que existe um número limitado de inovações oriundas desta parte do globo com exceção de países mais ativos neste quesito como Taiwan e Coreia do Sul.

  • Fábio Moreira é ex-diretor regional de Novos Negócios para Ásia-Pacífico da Merck Biopharma. Atualmente é BD Head América Latina na EMD SeronoMerck.